| | f | João Prata Augusto
© 2008 Jornal Reconquista - 14/08/2008
Tem alma própria
Caféde vale a pena
Não sou natural de Caféde, mas sou descendente de naturais desta freguesia. Habituei-me, desde muito novo, a
conhecer as particularidades destas pequenas casas, na sua grande maioria construídas em pedra, muitas delas
à custa do próprio esforço braçal dos residentes. Acostumei-me a calcorrear estas ruelas sinuosas, os campos
delimitados por pequenos muros de pedra, a observar as árvores, as plantas, a água das chuvas a escorrer
pelas terras, os riachos, as ribeiras, as fragas, as pedras graníticas, os pequenos vales, as ermidas, os
pássaros, as eiras, os “furdões”, os galinheiros, as hortas, os poços, os burros, as vacas, os “machos” e as
éguas, os ganhões, os pedreiros e os cantoneiros.
Apaixonei-me por esta terra que não é minha, nem será talvez de ninguém, mas somente de quem dela goste. É
uma aldeia que não tem riquezas visíveis, nem legados históricos significativos, nem um passado mediático,
nem grandeza que assombre. Pelo contrário, é pequenina (a menos povoada do concelho de Castelo Branco) e
acentuadamente modesta (sem brazões de nobreza que a engrandeça, ou mais valias de património que a
valorize).
Cheguei mesmo a pensar um dia que, tal como muitas outras terras deste país, o futuro lhe reservasse o
desaparecimento. O envelhecimento da população tornou-se um facto inexorável, a seguir veio o
despovoamento, o abandono dos campos, o fecho da escola do ensino básico.
Mas, ano após ano, habituei-me também a ver esta terra crescer nos meses de verão, a população a aumentar
sazonalmente. Os emigrantes e os “migrantes internos” das grandes cidades voltavam, todos os anos, para
passar férias com as famílias ou com os amigos … e, mesmo depois destes “partirem” para “mundos de onde
não se volta”, ainda assim voltavam para, simplesmente, confraternizarem … com as memórias.
Percebi então que esta terra nunca morreria. Tem uma alma própria que se alimenta de saudades, uma espécie
de essência e sopro de vida que vai passando de geração para geração. Já não vi chegar a luz nem o telefone,
mas vi ainda chegar e fui vendo chegar muitas outras coisas: o abastecimento de água, o saneamento básico, a
recolha de resíduos sólidos e a recolha selectiva, o asfaltamento das estradas para Castelo Branco e para
Alcains, a melhoria das condições de higiene, a assistência médica com regularidade, as primeiras piscinas
privadas.
Talvez subitamente, Caféde deu ares de renascer. Ou talvez eu não me tenha apercebido de imediato, porque,
no presente, julgo que esta terra foi, afinal de contas, renascendo todos os dias. A par das casas que iam
ficando vazias, novas se foram construindo. A par do fecho da escola e do abandono dos campos, surgiram
novas gentes, verificaram-se múltiplos regressos.
A Junta de Freguesia deu também o seu empurrão. Lançou um projecto de alienação de 18 lotes de terreno e,
em pouco tempo, todos foram vendidos. Nesses terrenos vão nascendo novas casas, pulsando novas vidas. A
traça arquitectónica é por certo diferente das características típicas de Caféde. Julgo porém que, nessa matéria,
há que ser realistas … Caféde tem história, mas não é uma aldeia histórica … deve preservar o seu património,
mas não pode fechar-se aos novos hábitos e aos novos “ventos de mudança” que proliferam por todo o lado. Ou
não fosse o próprio mundo, hoje em dia, uma “grande aldeia global”.
Na senda do desenvolvimento, anunciam-se novos projectos. Depois do recinto sintético polivalente de jogos,
fala-se de um centro de dia para a terceira idade. E sonha-se com o aproveitamento das instalações da
abandonada escola básica. E com a remodelação e modernização do recinto mariano do Santuário da Nossa
Senhora do Valverde e consequente asfaltamento da estrada de acesso ao mesmo. E com a instalação de um
estabelecimento de restauração na freguesia e de uma residencial com características rurais (porque não junto à
ponte romana, no rio Ocreza?!). E com um Lar para seniores. E com uma biblioteca. E com…
Hoje, pode pois dizer-se, com um enorme grau de certeza, que Caféde não morreu, não morre, nem morrerá!
Viverá sempre na memória dos que nesta terra nasceram, dos que nela viveram, dos que por aqui passaram ou
dos que desta terra ouviram falar.
João Prata Augusto
(Sociólogo)
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